Densidade demográfica, falta de saneamento e emprego informal são fatores que contribuem para que o coronavírus se espalhe mais rápido
A desigualdade social é um dos desafios mais importantes que o Brasil precisa enfrentar para conter a disseminação do novo coronavírus. Ela atingiu seu ápice em 2018, segundo pesquisa mais recente divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que faz o levantamento desde 2012.
“Nós somos o país mais pobre a ser atingido com essa violência pelo novo coronavírus. Então, vamos aprender qual o efeito de uma pandemia como essa num país tão desigual como o Brasil”, afirma Gonzalo Vecina, professor do Departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP.PUBLICIDADE
“Mas é certo que os pobres sofrerão mais que os ricos, porque não têm acesso à alimentação e à saúde. O SUS (Sistema Único de Saúde) tem quatro vezes menos leitos per capita que a rede privada”, compara.
O professor Herling Alonzo, do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp acrescenta que a comparação com o avanço da doença em outros países exige cuidado.
“É muito fácil pensar na Espanha e na Itália que têm IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) alto e populações pequenas. Aqui são 210 milhões e existem pessoas em insegurança ocupacional”, pondera.
A existência de favelas – onde moram 13,6 milhões de pessoas, segundo pesquisa do Instituto Locomotiva/ Data Favela divulgada em 24 de março -, por si só, já é um agravante para a disseminação do novo coronavírus no país.
Sete em cada dez famílias que moram nessas favelas já tiveram sua renda reduzida por causa da pandemia do novo coronavírus, aponta ainda a pesquisa feita com 1,14 mil entrevistados em 262 comunidades de todos os estados do país.
Isolamento é impraticável nas favelas
De acordo com Alonzo, é esperada uma elevação da curva de contágio do novo vírus quando ele chegar às periferias. Um dos fatores que contribuem para isso são as condições precárias de habitação e a densidade demográfica.
“[Nessa situação] é difícil fazer isolamento, porque você tem casas com 6, 7, 10 pessoas. Isso pode explodir a curva de contágio”, destaca.
“Se há um caso suspeito na família, a pessoa precisa ficar isolada em determinado espaço, mas isso se torna impraticável, porque muitas vezes as pessoas dividem o mesmo cômodo ou a estrutura física da casa não dá condições de fazer o isolamento. Às vezes, a casa nem janela tem e são umas grudadas nas outras”, completa.
O especialista acrescenta que não é possível estimar o nível de elevação da curva porque as comunidades também têm suas particularidades, em cada estado. “Na região norte temos palafitas, esse não é um fator positivo”, avalia.
‘Falta água nessas casas’
Vecina diz que as periferias têm uma concentração menor de idosos, o que é uma característica favorável. Entretanto, cita outros dois aspectos que podem contribuir para que a disseminação do coronavírus seja mais rápida nas favelas: a falta de saneamento básico e as condições socioeconômicas dos moradores.
“Falta água nessas casas. Não falta água para beber, mas falta para lavar. E um componente essencial [para a prevenção] é a higiene das mãos”, lembra o professor da USP.
Alonzo, por sua vez, analisa que muitos sequer têm acesso à água potável e concorda que a questão do saneamento é muito importante e decisiva para analisar o impacto da pandemia para os mais pobres.
“O senso comum acha que lavar as mãos é uma coisa mínima de higiene. Mas a epidemia deixou evidente que uma simples orientação de lavar as mãos não pode ser cumprida porque as pessoas não têm acesso à agua. E se colocar o sabão ou álcool gel [na conta], aí piora a situação”, enfatiza.
Segundo a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua), divulgada pelo IBGE nesta terça-feira (31), 38 milhões de pessoas estavam na informalidade, durante o trimestre encerrado em fevereiro.
Os especialistas afirmam que grande parte dos trabalhadores informais moram nas favelas. São elas que vão sentir com mais força os efeitos de uma economia parada.
“Quem vive na informalidade trabalha para comer no dia. Se não trabalhou, não comerá”, ressalta Vecina.
“O dinheiro que elas ganham no dia é o que vai ajudar a tocar a vida”, concorda Alonzo. “E aí você coloca o isolamento? Como garantir a sobrevivência dessas pessoas?”, questiona.
Distribuição de alimentos e itens de higiene
O caminho, segundo os especialistas, é implantar medidas urgentes e ágeis para garantir a segurança alimentar e condições mínimas de sobrevivência.
Na visão de Vecina, “se o Estado não for competente, elas vão buscar comida com as próprias mãos… e nós temos gente passando fome já. O governo deveria distribuir cestas básicas, por exemplo”.
A Central Única das Favelas propôs uma série de medidas para reduzir os impactos da pandemia de covid-19. Dentre elas, está a distribuição gratuita de itens de higiene como água e sabão, mutirões para distribuição de alimentos de março até junho e aluguel de pousadas para idosos e grupos vulneráveis.
Fonte; R7