Já na semana epidemiológica mais recente, de 31 de maio a 6 de junho, houve 306 óbitos, cerca de 50% a mais do que no mesmo período de 2019
“Agora é hora de levantar mais cedo, pôr a mão na massa e voltar ao trabalho”, diz a propaganda televisiva do governo do Amazonas, veiculada na última semana – a segunda desde a reabertura gradual do comércio em Manaus, iniciada em 1º de junho.
Pesquisadores ouvidos pela reportagem concordam que o pior da epidemia passou. Mas divergem se a cidade, após semanas traumáticas convivendo com enterros em fossas coletivas e hospitais colapsados, pode respirar aliviada. Manaus atingiu o pico explosivo de óbitos na semana epidemiológica de 19 a 25 de abril, quando cerca de mil morreram na cidade (aumento de 350% em relação ao mesmo período do ano passado).
Já na semana epidemiológica mais recente, de 31 de maio a 6 de junho, houve 306 óbitos, cerca de 50% a mais do que no mesmo período de 2019.
Os dados, em depuração, foram compilados pelo epidemiologista Jesem Orellana, da Fiocruz. Segundo ele, nenhuma outra cidade do mundo registrou salto tão grande de mortes na epidemia.
A queda nos óbitos em Manaus, a alta proporção de casos recuperados e a diminuição na taxa de ocupação dos leitos de UTI para Covid-19, atualmente em 66%, foram os principais argumentos usados pelo governador Wilson Lima (PSC) para iniciar a abertura.
Na primeira etapa, voltaram lojas de roupas e igrejas, entre outros estabelecimentos. Na segunda fase, a partir de segunda-feira (15), restaurantes e lojas de departamento já poderão reabrir ao público.
Para Orellana, a reabertura foi precipitada. “As estratégias para a flexibilização são desproporcionais à situação sanitária, ainda grave. Não se está levando a sério o risco residual, sobretudo considerando a situação dos municípios do interior, que vão começar a lotar as UTIs de Manaus.”
Desde maio, a epidemia passou a ganhar mais força no interior do que na capital, e Manaus é a única cidade no estado que dispõe de UTI.
O epidemiologista diz que Lima decidiu pela reabertura sem cumprir nenhum dos seis pilares para o fim das restrições recomendados pela Organização Mundial da Saúde. São eles: transmissão do vírus controlada; sistema de saúde capaz de detectar e tratar cada caso e de acompanhar a rede de contágios; diminuição do risco de surtos em instalações de saúde e asilos; medidas preventivas em locais de trabalho e em outros locais de circulação; controle do risco de importação do vírus; e engajamento da sociedade em nova formas de convívio.
“Como o risco de importação está sob controle se a cada dia a gente vê o número de casos novos da região metropolitana aumentar e as barreiras sanitárias funcionarem pobremente? É provável que, em poucas semanas, o número de óbitos volte a aumentar, desperdiçando o esforço interior”, alerta Orellana.
Estudo apresentado na quinta (11) pelo projeto Atlas ODS Amazonas mostra um cenário bem mais otimista: a conclusão é que Manaus será a primeira cidade do país a superar a pandemia da Covid-19. Em entrevista coletiva, o professor de agronomia da Ufam (Universidade Federal do Amazonas) Henrique Pereira, coordenador da pesquisa, disse não ver riscos de uma segunda onda no curto prazo.
A principal razão, diz, está na evolução do vírus. Por estarem em pacientes em estado grave, as cepas mais virulentas do novo coronavírus circulariam menos do que as mais brandas, que tendem a se espalhar mais por causas de hospedeiros assintomáticos ou com sintomas leves.
“Todos os vírus estão competindo para se reproduzir. Os menos virulentos ganham vantagem porque se transmitem em maior frequência e, depois de certo tempo, interagindo com a população hospedeira, se tornam maioria”, disse à reportagem.
Para chegar a essa conclusão, a pesquisa usou o modelo logístico, e não epidemiológico, para prever taxas de crescimento de casos e de óbitos. A projeção estima que o 97% das mortes por Covid-19 deve ocorrer até o dia 17 deste mês.
Pereira ressaltou que a hipótese não deve ser confundida com a imunização de rebanho, pela quase toda a população já teria tido contato com o vírus. Pesquisa feita pela Universidade Federal de Pelotas em menos de maio apontou que 11% dos moradores da cidade já teriam sido infectados pelo coronavírus. Ele diz, porém, que o governo deveria prorrogado o isolamento por duas semanas.
Fonte: Jornal de Brasília