“Entramos num jogo de xadrez e a Globo movimentou peças interessantes. Os reflexos já são sentidos”, afirmam especialistas
A Globo anunciou na quinta-feira que
rescindiu o contrato de transmissão do Campeonato Carioca. A emissora do
Rio alegou quebra da exclusividade prevista no contrato após o Flamengo
transmitir pela internet partida contra o Boavista na noite de
quarta-feira, pela Taça Rio, o segundo turno do Estadual.
Especialistas em direito e marketing esportivo ouvidos pelo Estadão analisam
que as decisões tomadas por Globo e Flamengo e a Medida Provisória 984
publicada pelo presidente Jair Bolsonaro reforçam que o atual modelo de
negociação de transmissão de jogos de futebol no Brasil está ameaçado e o
cenário é incerto para o futuro.
A MP dá aos clubes a
prerrogativa de vender os direitos de transmissão dos seus jogos quando
forem os mandantes independentemente de qualquer negociação com o
adversário. Até a edição da medida provisória, era preciso ter a
anuência do visitante para televisionamento das partidas. Foi com base
na MP, inclusive, que o Flamengo transmitiu o seu jogo do Campeonato
Carioca na FlaTV e chegou a ter mais de 2,2 milhões de acessos
simultâneos.
A resposta da Globo veio com a rescisão do contrato
de transmissão de todo o campeonato. A emissora anunciou que vai manter
os pagamentos previstos para este ano, mas a partir de 2021 não o fará
mais.
Estima-se que a Globo pague cerca de R$ 100 milhões para
transmitir os jogos do Carioca, sendo R$ 18 milhões para cada um dos
grandes clubes do Rio. Uma menor parte fica com a federação e os demais
times, que perdem boa parte de suas receitas sem os direitos de TV.
“Entramos
num jogo de xadrez e a Globo movimentou peças interessantes. Os
reflexos já são sentidos, pois muitos financiadores do futebol que
trabalham amparados em adiantamentos de receitas com TV sumiram. O
mercado está parado porque falta entendimento se haverá receitas da
Globo no futuro”, disse Cesar Grafietti, economista e consultor do Itaú
de finanças e gestão no esporte.
Em 2011, o mercado brasileiro de
transmissões esportivas viveu situação semelhante, quando o Clube dos
13, que tratava dos direitos de TV em bloco, foi “implodido” após o
Corinthians decidir negociar individualmente os seus jogos.
“A
gente está numa espécie de limbo porque não há a menor perspectiva de
resolver esse impasse. No fim das contas quem sai perdendo é o torcedor.
Meu receio com isso tudo é que a negociação de forma individualizada
tem uma tendência de causar um desequilíbrio na competição”, analisa
João Marcos Guimarães, advogado especialista em direito desportivo.
Apelo presidencial
Nesta
semana, dirigentes de oito clubes da Série A do Campeonato Brasileiro
tiveram reunião com o presidente Bolsonaro, em Brasília, e pediram o
apoio ao projeto de Lei 3.832, que altera a Lei da TV Paga para que
empresas de telecomunicações possam atuar na produção de conteúdo
esportivo. Esse grupo de clubes vendeu os direitos de transmissão da TV
fechada para a Turner, empresa pertencente ao conglomerado AT&T, dos
Estados Unidos, e teme que os contratos sejam rompidos.
Professor
de marketing esportivo da ESPM, Ivan Martinho acredita que os clubes
brasileiros terão dificuldades para se adaptar a um novo mercado.
“Discordo da ideia de que a emissora é vilã e os clubes são mocinhos. A
ideia de ter uma liberdade maior para negociar com vários potenciais
interessados, ou então criar seu próprio produto para transmitir seus
jogos, é teoricamente bonita, mas, por outro lado, os clubes vão ter um
grande desafio de passar a cuidar de uma área que eles nunca cuidaram
até então, se eles tiverem de criar seu próprio produto. Construir
audiência é algo muito difícil”, disse.
Fonte: Estadão