Pela primeira vez, os americanos foram explícitos sobre o tema, e acusaram a China de querer formar um “império marítimo” na região
Washington resolveu aumentar a temperatura de sua Guerra Fria 2.0 com Pequim, elegendo o mar do Sul da China como campo de batalha numa disputa diplomática e militar.
Na segunda (13) à noite, o secretário de Estado, Mike Pompeo, afirmou que as reivindicações da China sobre o mar são “em sua maioria, ilegais”.
Com isso, os EUA deram um passo além do reconhecimento de uma resolução do Tribunal Internacional de Haia de 2016, que questionou as intenções chinesas ante queixas das Filipinas.
Pela primeira vez, os americanos foram explícitos sobre o tema, e acusaram a China de querer formar um “império marítimo” na região.
É um exagero retórico, rebatido na manhã desta terça por Zhao Lijian, porta-voz da chancelaria chinesa. Mas atinge em cheio as crescentes pretensões de Pequim.
Em todos os cenários de simulação de um conflito futuro entre a China e os EUA, o mar que leva o nome do flanco sul do gigante asiático aparece em primeiro lugar.
Há motivos para isso. Cerca de 20% do PIB chinês deriva de exportações, e elas passam majoritariamente por rotas marítimas que deixam seus portos no leste e sul.
O mar do Sul da China, que cobre uma área pouco maior do que a da Índia, é o principal corredor de escoamento dessa produção.
Esse tráfego é regulado por uma convenção das Nações Unidas de 1982, que o tribunal de Haia diz ser violada pela China.
Pequim estabeleceu uma reivindicação de cerca de 85% da área do mar, alegando que uma série de ilhas, atóis, recifes e bancos de areia constituíam seu território, estendendo assim o direito que tem sobre as águas.
Para asseverar isso, desde 2014 instalou uma série de bases militares na região, às vezes em ilhas artificiais construídas sobre atóis.
Os EUA têm um acordo militar com as Filipinas, que disputam uma grande área. Outros vizinhos chineses, como o Vietnã, também desafiam Pequim.
A escalada proposta por Pompeo tem como precedente uma flexão de musculatura militar americana na região.
Voos com bombardeiros estratégicos dos EUA se tornaram mais comuns neste ano, e há duas semanas o país enviou dois grupos de porta-aviões para fazer exercícios concomitantes a manobras da Marinha chinesa.
Nada disso significa que há um risco iminente de guerra, mas estabelece um perigo aumentado de que algum incidente saia de controle.
Apesar de anos de políticas erráticas, pioradas com o isolacionismo pregado por Donald Trump, os EUA têm larga vantagem sobre a China no campo militar.
E Pequim tem um temor estratégico central: ser bloqueada pelo mar. É praticamente impossível invadir e conquistar o país, tanto pelo seu tamanho quanto pelas capacidades terrestres de suas Forças Armadas.
Já interromper suas vias marítimas é outra história. E isso é muito mais fácil de fazer do que defendê-las.
Desde a Segunda Guerra Mundial, Washington criou uma capacidade global de projeção de poder.
No Pacífico Ocidental, além do controle de longa distância, os americanos contam com uma rede de aliados militares, do Japão e Taiwan à Austrália, passando pelas Filipinas.
A China não tem nenhum, exceto a Coreia do Norte, que de resto é autocentrada. Isso torna sua vida mais complicada.
Seja como for, nos últimos anos a China embarcou num ambicioso programa naval, lançando dois porta-aviões e, ainda mais importante, investindo na capacitação de uma força de mísseis que inclui modelos hipersônicos antinavio.
Num combate futuro, serão esses mísseis, e não tanto os navios, que definirão o resultado.
Como eles dependem de satélites precisos para funcionar, não é casual que os EUA tenham criado sua Força Espacial neste ano.
Analistas se dividem sobre a capacidade chinesa. A maioria vê uma potência em ascensão que, invariavelmente, terá de enfrentar frente a frente o poder constituído -os EUA.
Os americanos passam o recibo disso ao fomentar a sua Guerra Fria 2.0, que abrange disputas comerciais, a autonomia de Hong Kong e o manejo da pandemia, entre outros.
Mas o embate é bem mais duro na área comercial, em particular na montagem das redes de 5G pelo mundo.
A tecnologia do futuro da troca de dados tem na chinesa Huawei uma atriz central, e Trump tem feito de tudo para pressionar países a não aceitar a presença dela como fornecedora.
Uma vitória central foi obtida nesta terça, com o veto à presença da Huawei no 5G do Reino Unido.
Nesta semana, o conselheiro nacional de segurança dos EUA, Roberto O’Brien, irá se encontrar com colegas europeus para ampliar sua pressão. O’Brien é um “falcão” quando tema é China.
Ele disse no mês passado que Xi Jinping queria ser um novo Josef Stálin e que os chineses querem “derrubar os EUA” aproveitando o duro impacto da pandemia no país.
Se é certo que chineses, assim como russos e até iranianos, têm feito demonstrações de força militar durante a crise, também é de se questionar como eles “derrubariam” os americanos.
Há, obviamente, a necessidade eleitoral da administração Trump de fazer barulho contra o “grande outro” da vez, a China. O presidente tem uma dura eleição à frente em novembro contra o democrata Joe Biden -que, se certamente seria um líder mais diplomático, nem tampouco deverá abandonar a disputa estratégica com Pequim.
Os chineses aprendem rapidamente, contudo, e têm adotado a tática americana de ameaçar sanções econômicas para pressionar os adversários.
Nesta terça também, o porta-voz Zhao anunciou que a China imporá sanções à maior empresa de defesa do mundo, a americana Lockheed Martin, por ter fechado uma modernização das defesas antiaéreas de Taiwan por US$ 620 milhões (R$ 3,3 bilhões hoje).
A ilha é considerada uma província rebelde por Pequim. Não ficou claro como seriam as sanções, porque para terem algum efeito deveriam afetar compradores do material da Lockheed em outros negócios com a China.
Fonte: Jornal de Brasília