Presidente da Associação Brasileira de Insumos Farmacêuticos diz que Brasil não faz o básico, que é produzir IFA de genérico
A pandemia escancarou um problema mundial da indústria farmacêutica: a dependência de todos os países dos insumos chineses, conforme ressalta Norberto Prestes, presidente da Abiquifi (Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos). Segundo ele, o Brasil produz apenas 5% dos IFAs (ingrediente farmacêutico ativo) usados na fabricação de remédios. Até a década de 1990, o país fabricava 55% desses insumos.
Prestes explica que a abertura ao mercado externo sucateou o setor. “Foi despejado no Brasil, sem tempo para a indústria se planejar, uma quantidade grande de medicamentos e insumos farmacêuticos da China e de outros países a preços mais baixos e com portifólio maior. Hoje vemos que a indústria é essencial e estamos a mercê do mercado externo”, afirma.
Segundo ele, o Brasil não faz “o básico”, que é produzir IFA de genérico. “Se estivéssemos produzindo em larga escala, estaríamos preparados para fazer moléculas novas. Assim, os produtores de IFAs teriam fôlego para desenvolver moléculas novas e não dependeríamos tanto dos outros”, afirma.
A produção de vacinas contra a covid-19 chegou a ficar paralisada no país por causa da falta de IFA. Tanto o Instituto Butantan quanto a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) dependiam da chegada do insumo vindo da China para produzir a CoronaVac e a AstraZeneca, respectivamente. A partir deste mês, a Fiocruz vai começar a produzir a substância no Laboratório de Manguinhos, no Rio de Janeiro, e o imunizante será totalmente feito aqui.
Para Prestes, a produção do IFA é um importante passo para atingir a meta do Ministério da Saúde de vacinar todos os brasileiros até o fim do ano.
“A Fiocruz passa a produzir de maneira independente e aí não tem a descontinuidade de produção. Ainda não sabemos direitinho se será transferido 100% da tecnologia ou se alguma coisa ainda terá de ser importada. Existe uma curva de aprendizado e, se a Fiocruz conseguir fazer, como já aconteceu com outras substâncias, quem sabe até outubro e novembro vacinaremos o Brasil inteiro”, acredita.
A produção própria do insumo permite, ainda, adaptar o imunizante de acordo com o surgimento de novas variantes, segundo Prestes. “O vírus é muito mutante e provavelmente conseguiremos atender às necessidades do Brasil, temos nossas especificidades genéticas e metabólicas. É mais fácil de adaptar a vacina para a realidade brasileira”, afirma.
Brasil poderia estar vivendo outra realidade
Para Prestes, a realidade da pandemia no Brasil seria diferente se o governo tivesse investido na produção de um IFA completamente nacional logo no começo do problema.
“A demanda para vacina é gigante, então, se nós tivéssemos desde o início investido para desenvolver uma vacina aqui, porque temos tecnologia para isso, tem como fazer. E apostado, mesmo se tivesse investido muito, nós estaríamos melhor. Temos agência regulatória forte, dois institutos capazes de produzir vacina [Fiocruz e Butantan], SUS [Sistema Único de Saúde] para aplicar as doses e a academia para produzir o conhecimento. Posso dizer que vacilamos”, diz.
“Se tivéssemos apostado alto, além de comprar as vacinas que já estamos usando, estaríamos na frente e poderíamos estar contribuindo positivamente pelo fim da pandemia”, acrescenta.
Cenário pode ser mudado
É possível reverter esse quadro e fazer com que a indústria nacional volte a se desenvolver. De acordo com o especialista, é um projeto de médio e longo prazo, mas que vale a pena.
“Via Ministério da Saúde é necessário investir dinheiro nisso, importando tecnologia, definido quais os IFAs de medicamentos são prioritário para produzir no Brasil. O Ministério tem de ser o impulsionador, para as empresas se estruturarem com tecnologia e pessoal, para que elas tenham capacidade para investir em outros produtos. Além de investir para desenvolver conhecimento na área. Precisa ter um grupo de experts trabalhando nisso o tempo todo”, finaliza.
Fonte: R7