País vive semanas de tensão entre militares e civis, que compartilham o poder desde 2019, após 30 anos de ditadura
As Forças Armadas do Sudão prenderam nesta segunda-feira (25) várias autoridades civis, incluindo o primeiro-ministro Abdallah Hamdok, pela recusa em apoiar um “golpe de Estado”, anunciou o Ministério da Informação, após semanas de tensão entre militares e civis, que compartilham o poder desde 2019.
“É um golpe de Estado militar”, denunciou a Associação de Profissionais, uma das organizações que lideraram a revolta de 2019, que acabou com 30 anos de ditadura de Omar al-Bashir no país do leste da África, um dos mais pobres do mundo.
Ao lado dos sindicatos de médicos e bancários, essa associação convocou à desobediência civil em Cartum, cidade que vive uma situação caótica, sem internet e com as ruas lotadas, em um cenário de grande instabilidade após um golpe frustrado no mês passado.
“Peço às Forças Armadas que libertem imediatamente os detidos”, declarou o enviado da ONU ao Sudão, Volker Perthes, que considerou as detenções “inaceitáveis”.
O governo dos Estados Unidos, cujo emissário, Jeffrey Feltman, visitou no domingo o gabinete do primeiro-ministro Abdallah Hamdok, detido nesta segunda-feira, afirmou que está “profundamente preocupado e advertiu que qualquer mudança de governo de transição põe em perigo a ajuda americana”.
A Liga Árabe também expressou “profunda preocupação” e pediu a todas as partes que respeitassem o acordo de divisão do poder.
Em um país em que as telecomunicações são cada vez mais instáveis e a televisão estatal foi tomada pelas Forças Armadas, apenas um canal de comunicação aberto resistia: os comunicados do Ministério da Informação, publicados no Facebook.
“Os membros civis do Conselho de Soberania de transição e vários ministros do governo foram detidos pelas forças militares conjuntas”, afirmou o ministério em um primeiro momento.
“Depois de o primeiro-ministro Abdallah Hamdok se recusar a apoiar o golpe de Estado, as Forças Armadas o prenderam e o levaram para um local não identificado”, acrescentou o ministério posteriormente.
Em Cartum, manifestantes se aglomeraram nas ruas e queimaram pneus para protestar contra as detenções. Ao mesmo tempo, homens de uniforme militar bloquearam as estradas principais que levam à capital e à cidade vizinha de Omdurman.
Muitos manifestantes seguiram para a principal avenida do centro de Cartum, onde os simpatizantes do governo civil organizaram na quinta-feira passada uma demonstração de força, aos gritos de “revolução”, para rejeitar o que já chamavam de “golpe de Estado em curso”.
“Não aceitaremos um regime militar. Estamos dispostos a dar nossa vida pela transição democrática”, declarou à AFP um deles, Haitham Mohamed.
O Sudão enfrenta uma transição política precária, marcada por divisões e lutas de poder desde a queda de Bashir, em abril de 2019.
Desde agosto, o país está sob o comando de uma administração cívico-militar, responsável por conduzir o país para uma transição democrática plena sob gestão civil, com o objetivo de organizar, no fim de 2023, as primeiras eleições livres em três décadas. Mas, nos últimos dias, a tensão aumentou entre os dois lados.
Em 21 de outubro, dezenas de milhares de sudaneses participaram de passeatas em várias cidades para apoiar a transição de poder para os civis e contra-atacar uma “manifestação” iniciada dias antes diante do palácio presidencial de Cartum que exigia a volta do “governo militar”.
Um dos problemas é que o principal bloco civil, as Forças pela Liberdade e pela Mudança (FCC), que lideraram o movimento contra Bashir, se dividiu em duas facções.
Fonte: R7