Divisão do território ucraniano é vista como forma de encerrar o conflito; especialistas explicam possíveis consequências do ato

guerra na Ucrânia está prestes a completar quatro meses em 24 de julho. A invasão, chamada por Vladimir Putin de “operação militar especial”, foi iniciada em fevereiro e já deixou milhares de mortos, milhões de refugiados e bilhões de dólares de prejuízo. Em razão disso, o Ocidente busca financeiramente e diplomaticamente maneiras de fazer com que a Rússia saia do território ucraniano.

Para o economista e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa Igor Lucena, há chances de ocorrer a divisão do território ucraniano como forma de encerrar o conflito.

“Infelizmente, essa possibilidade de termos duas Ucrânias ou até mais é uma realidade, e eu acho que nós estaremos revivendo um pouco do que nós assistimos na Coreia do Norte e principalmente na divisão na Alemanha”, explica. 

Por outro lado, o professor do Inest (Instituto de Estudos Estratégicos) da UFF (Universidade Federal Fluminense) Thomas Ferdinand Heye diz acreditar que a conquista de apenas parte da Ucrânia não seria satisfatória para Putin, ainda que ninguém saiba exatamente quais são os reais objetivos do líder russo.

“[A divisão] poderia até de imediato diminuir ou cessar as hostilidades, mas o conflito não estaria resolvido. Permaneceria congelado ou latente até eclodir novamente”, pontua.  

O professor da UFF aponta que, com “duas Ucrânias”, as ações russas têm a chance de serem consideradas comuns. “O maior risco é normalizar o absurdo do crime cometido pela Rússia ao invadir um país soberano e acabar com sua integridade territorial. Para os ucranianos, só pode existir uma Ucrânia”, acrescenta.

É importante lembrar que há, na Ucrânia, as autoproclamadas “repúblicas populares” de Donetsk e Lugansk, que surgiram no primeiro semestre de 2014 após protestos da oposição pró-Ocidente na Ucrânia e da mudança de liderança em Kiev. Atualmente, essas regiões separatistas abrangem cerca de um terço da região do Donbass e as cidades de Donetsk e Lugansk, capitais dos territórios de mesmo nome.

As consequências de “duas Ucrânias”

Apesar de acreditar que a fragmentação do território ucraniano pode ocorrer em breve, Lucena, da Universidade de Lisboa, diz não acreditar que separar o países seria propositivo, pois, embora pudesse encerrar o conflito, dividiria famílias, negócios e tradições.

“A cultura é ucraniana, por mais que tenha influências mais ou menos da Rússia ou da Europa. Estaremos dividindo uma sociedade que já é formalizada. Então, acho que isso seria um exemplo muito negativo para dentro do país”, diz. 

Lucena ainda explica que a fragmentação da Ucrânia criaria um abismo de desigualdade social, porque o lado mais a oeste ou mais ao norte teria um grande apoio de reconstrução da União Europeia, enquanto o sul ou o leste ficariam sobre a regência e influência da Rússia, sem tanto apoio financeiro e capacidade de operacional. 

Outra questão seria a forma como ocorreria o reconhecimento de outros países em relação a exitência de “duas Ucrânias”. Segundo Lucena, atualmente, o território ucraniano é reconhecido por todas as nações e, não, pela Rússia, o que poderia mudar com a fragmentação.

“Não há uma visão de que elas de fato seriam reconhecidas, então não haveria acordos de comércio, financiamentos internacionais, representatividade dos líderes. Tudo isso deixaria essa parte dessa suposta nova Ucrânia ou Ucrânia do Leste, região do Donbass, talvez uma região apátrida do ponto de vista internacional de decisões e negociações”, diz o doutor pela universidade portuguesa.

Na opinião de Heye, a separação não seria totalmente aceita pelas demais nações. “[Um país dividido] seria fortemente rejeitado por diversas potências da arena internacional e por alguns países em vias de desenvolvimento”.

Mas o professor da UFF reforça que, em termos quantitativos, a Rússia conta com o apoio ou ao menos a simpatia de um número muito maior de países, o que faria com que a criação de “duas Ucrânias” acabasse sendo reconhecida por uma parcela considerável da comunidade internacional — mesmo em meio a protestos e apoio de potências mundiais.