Caso “Champinha”, barbárie ocorrida em São Paulo em 2003, é um exemplo da possibilidade de um infrator permanecer em medida de internação psiquiátrica
No Brasil, considerando-se a maioridade penal aos 18 anos completos, aplica-se aos menores medidas sócio-educativas. No caso do atirador de 16 anos que invadiu duas escolas em Aracruz, executando ataques a tiros que causaram a morte de quatro pessoas e deixaram outras 12 feridas na última sexta (25), já é sabido que ele não ficará preso em penitenciária comum.
Devido à gravidade dos fatos, é possível prever que o adolescente tem chances de cumprir três anos de internação no Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (Iases), que é o tempo máximo de permanência nesta modalidade penalizadora, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Ocorre que, segundo o juiz da Vara da Infância e Juventude de Colatina, Ewerton Nicoli, à reportagem da TV Vitória, não há previsão expressa na legislação sobre o caso do adolescente com transtornos graves, que ofereçam riscos à sociedade, no sentido de permanecer por mais tempo em alguma instituição, em vez de conquistar a liberdade três anos após o início da internação.
Apesar disso, ele explica que há decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação ao maior que pratica o crime e tem transtorno mental, em que é oferecida medida de segurança por tempo correspondente à pena aplicada. Além disso, o Ministério Público pode entrar com ação para que a pessoa seja declarada incapaz para os atos da vida civil.
Segundo o Iases, ao final do cumprimento da medida socioeducativa, os adolescentes com transtorno psiquiátrico são liberados após o alvará judicial, como ocorre em todos os outros casos.
Comparação com caso Champinha
Um caso emblemático acontecido em São Paulo e lembrado nacionalmente, ocorrido ainda em outubro de 2013, traz uma possibilidade que poderia vir a ser aplicada ao adolescente capixaba que praticou graves crimes em Aracruz.
Naquele ano, um garoto de 16 anos, Roberto Aparecido Alves Cardoso, o “Champinha”, violentou e assassinou a estudante Liana Friedenbach, além de ter sido o mentor do homicídio do namorado dela. Depois do caso, que teve requintes de crueldade, o menor foi enviado à antiga Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem).
Acontece que, passados três anos dos crimes bárbaros, Champinha não retornou às ruas.
À reportagem do Folha Vitória, o advogado criminal Israel Domingos Jorio, doutor em Direitos e garantias fundamentais e professor de Direito Penal da Faculdade de Direito de Vitória (FDV), explicou que, de fato, naquela situação, tal qual a da tragédia capixaba, não havia medida de natureza penal para aplicar aos fatos praticados aos suspeitos quando fizessem 18 anos, nem medida da Vara de Infância e Juventude, já que a medida já havia sido finalizada.
“Mas o Ministério Público conseguiu, no caso do Champinha, uma medida de internação compulsória de natureza psiquiátrica, porque ele representava risco a ele mesmo e à sociedade. É parecido com a internação compulsória por dependência de drogas ilícitas. tem que ter autorização judicial, laudos médicos e não tem caráter de pena. É um tratamento e não tem tempo determinado, mas dura enquanto persistir o quadro de periculosidade. Essa medida realmente existe”, esclareceu.
Nesse sentido, caso transcorram os três anos aplicáveis ao caso do adolescente capixaba que matou quatro pessoas, e a Justiça entenda cabível uma internação por motivos psiquiátricos, pode ser que o menor não volte logo às ruas.
Entenda a tragédia ocorrida após ataques em escolas
Duas escolas de Aracruz foram alvos de ataques na manhã desta sexta-feira (25). Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo, duas professoras e uma adolescente morreram no local. Outra professora não resistiu aos ferimentos e morreu no hospital neste sábado (26).
Os crimes aconteceram pela manhã, primeiro na Escola da Rede Estadual Primo Bitti, e em seguida na escola particular, no Centro Educacional Praia de Coqueiral (CEPC).
Os ataques foram realizados por um adolescente armado com uma pistola .40, pertence a um tenente, pai do jovem, e um revólver 38, arma particular do policial militar.
O adolescente, que confessou o crime, não terá o nome divulgado por ser menor de idade. No momento do ataque, ele usava roupa camuflada, uma máscara de caveira e um bracelete com o símbolo nazista.
O suspeito chegou ao local a bordo de carro no modelo Renault Duster, cor dourada e com as placas cobertas. Ele entrou primeiro na escola estadual, onde atirou contra professoras. Duas delas morreram no local.
Em seguida, ele entrou no carro e se dirigiu para a escola particular, onde entrou correndo e efetuou diversos disparos. Uma adolescente morreu.
Sete feridos foram liberados após atendimento, mas cinco pessoas continuam internadas em hospitais de Vitória.
O que diz a defesa?
A advogada de defesa do adolescente, Priscila Benichio Barreiros, disse, neste sábado (27), que aguarda a representação do Ministério Público do Espírito Santo para se posicionar sobre o ocorrido. Segundo Priscila, o adolescente está internado.
À reportagem da TV Vitória, o especialista em Direito, Jordan Lemos, explicou que não há prisão preventiva quando se trata de menor infrator.
“Há uma medida de internação provisória. Essa medida de internação provisória tem o prazo máximo de 45 dias. Então o Judiciário tem, em tese, 45 dias para processar, julgar e sentenciar. Se passar desse prazo e não sair a sentença, o menor deve ser restituído aos pais ou responsáveis”, disse.
Fonte: Folha Vitória