Aos 41 anos, Desirée Lima foi vítima de uma condição clínica rara, conhecida como Síndrome do Encarceramento, e ficou internada por seis meses.

A professora Desirée Lima, de 41 anos, moradora de Jardim Camburi, em Vitória, levava uma vida normal até que uma condição médica rara a fez passar por uma situação que muitos considerariam um pesadelo: ficar presa dentro do próprio corpo. Incapaz de se locomover ou de falar, mas plenamente consciente e com o tato aguçado, ela passou pelo que a medicina chama de Síndrome do Encarceramento.

O drama começou em setembro de 2023, quando Desirée, ao se preparar para encontrar o irmão, se sentiu mal.

“Eu tinha um compromisso com meu irmão. Cheguei a me arrumar para sair. Até aí, eu tenho um pouco de lembrança. Em seguida, eu comecei a ver tudo turvo. Não tinha condição, porque a vista estava totalmente turva. Foi quando eu liguei para o meu irmão e falei que não iria ser possível fazer o que a gente iria fazer. Eu não tinha condição de sair de casa”, disse contou Desirée.

A professora então foi levada ao hospital pelo irmão, o empresário Oswaldo Baldin, de 43 anos, e pela cunhada, a psicóloga Ghiany Loss, de 38 anos. O quadro dela piorou rapidamente e, em menos de uma hora, Desirée perdeu a capacidade de verbalizar e de se mover.

Logo depois, Desirée sofreu uma parada cardíaca de oito minutos e foi entubada porque já não conseguia mais respirar sozinha.

“Você ter todas as suas habilidades cortadas de uma hora para outra e ter total consciência de que você ainda habita aquele corpo e não conseguir fazer nada com ele… Eu acho que é a pior sensação”, contou ela.

Diagnóstico desafiador

A equipe médica se viu diante de um enigma. Entre as possibilidades estavam um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e a síndrome de Guillain-Barré, mas foi a médica Polyana Gitirana quem identificou o botulismo como causa da paralisia.

Essa doença rara é causada pela toxina botulínica, produzida por uma bactéria que pode estar presente em alimentos contaminados. A toxina impede a transmissão de impulsos nervosos, levando à paralisação.

“Como na grande maioria das vezes a pessoa que tem o botulismo ingere a própria toxina, a toxina já está prontamente disponível para se ligar às células nervosas e impedir a transmissão do impulso nervoso. Então, essa é uma manifestação muito mais aguda, muito mais rápida”, explicou a médica.

O antídoto, um soro especial, precisava ser administrado até o sétimo dia após a ingestão da toxina. O medicamento chegou ao hospital à 1h da manhã do sétimo dia, no limite do prazo para salvar a vida de Desirée.

Enquanto permanecia paralisada, Desirée estava consciente, mas incapaz de se comunicar. A virada aconteceu durante uma oração feita por sua irmã, a também professora Mariangela Almeida, de 48 anos, que havia retornado de Portugal para acompanhá-la.

Durante a prece, Desirée moveu os dedos pela primeira vez, um gesto que trouxe esperança à família e aos médicos.

“Peguei na mão direita dela e rezamos um Pai-Nosso e uma Ave Maria. Aí eu senti ela mexendo os Dedinhos. Eu gritei: ‘ela tá mexendo, ela tá mexendo’. Começamos a chorar de alegria. Os médicos vieram, começaram a fazer os testes e, realmente, ela estava se mexendo. Não era morte cerebral, era a comprovação que ela estava ali”, desabafou a irmã.

A médica, então, conduziu alguns testes baseados no que ela sabia da condição clínica da professora. Ela pedia para que Desirée apertasse a mão dela duas vezes, caso estivesse dizendo uma informação verdadeira e uma vez se fosse uma afirmação falsa. Ela acertou todas as perguntas.

A partir desse sinal, eles desenvolveram um sistema de comunicação baseado em movimentos dos dedos para formar palavras (assista acima).

Essa comunicação colaborou com o tratamento, já que a paciente conseguiu passar a pedir para mudar de posição e até pedir um cobertor para o frio.

Recuperação

Com o tempo, Desirée começou a recuperar os movimentos, iniciando pelo controle dos olhos e, gradualmente, das funções respiratórias. “Aprender a respirar novamente foi uma das experiências mais desafiadoras. Eu tinha a sensação de estar me afogando”, contou.

Após mais de seis meses de internação, Desirée recebeu alta e continuou sua recuperação em casa.

A médica Polyana Gitirana disse divide a própria carreira entre antes e depois do tratamento de Desirée.

“Tem pacientes que marcam a gente profundamente. Eu tenho o hábito de escrever um pouco sobre os meus pacientes que mudam a minha concepção sobre a Medicina. Mesmo depois de um ano, eu ainda não consegui escrever sobre a Desirée”, disse emocionada a médica Poliana.

Por ser tão raro, o caso de Desirée está sendo estudado por especialistas do hospital. Os exames nos alimentos ingeridos pela professora não foram conclusivos para o botulismo.

“Eu acho que tudo que a gente passa, é porque temos que passar mesmo. Então, se foi assim, é porque eu precisava disso. Se foi assim, eu sou grata a Deus por isso”, disse a professora Desirée Lima.

Fonte: G1