Algumas pessoas nascem com desequilíbrio da microbiota que facilita desenvolvimento da obesidade, explica médico

O sobrepeso, a obesidade e a consequente dificuldade que alguns indivíduos enfrentam para emegrecer pode ter uma relação íntima com o tipo de bactérias, fungos e vírus que colonizam o intestino deles. Pessoas obesas sofrem de uma condição chamada disbiose, que é o desequilíbrio da microbiota intestinal.

Essa predisposição para o ganho de peso pode começar até mesmo antes do nascimento, afirma o médico Ricardo Barbuti, do Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).

“Quem vai lhe passar as primeiras bactérias, os primeiros vírus, os primeiros fungos é, na verdade, a sua mãe. Se a sua mãe já tiver uma microbiota desequilibrada, a sua microbiota também vai ser desequilibrada. É claro que existe uma predisposição genética para obesidade. Agora, a expressão desses genes pode ser modificada pelo tipo de microbiota que você tem.”

Até os 3 anos de idade formamos um conjunto de micro-organismos intestinais que nos acompanharão pelo resto da vida. Eles são modulados com o passar do tempo, a depender de fatores como doenças, vacinas, remédios, estresse, entre outros.

Pessoas com disbiose têm o intestino mais permeável, a ponto de facilitar a entrada de outras bactérias, fungos ou até mesmo componentes oriundos dos alimentos nas camadas mais profundas do órgão. Isto cria um processo inflamatório, explica o médico. 

“Esse processo inflamatório é percebido por nervos — é como se tivessem scanners — que transmitem essa mensagem diretamente para o seu cérebro, especificamente para uma região chamada hipotálamo. Essa região do hipotálamo se comunica diretamente com a nossa principal glândula, que é a hipófise ou pineal. A hipófise controla o seu metabolismo inteiro: a atividade da suprarrenal, da tireoide, dos testículos, dos ovários…”

Ele acrescenta que o desequilíbrio da microbiota ainda interfere em “hormônios importantes diretamente envolvidos no controle do peso, do metabolismo, da fome e da saciedade”.

O intestino é o local de produção de mais de 30 hormônios, inclusive 95% de toda a serotonina, um importante neurotransmissor que influencia no humor, apetite, sono, memória, entre outras funções.

Mas se um obeso tem disbiose, ao resolver este problema a pessoa emagrece? Segundo Barbuti, a tendência é que sim.

Muito tem se falado nos últimos anos sobre o papel da microbiota na perda de peso, mas a fórmula para modificá-la é uma velha conhecida de quem precisa emagrecer: mudança da dieta e prática regular de exercícios físicos.

Ao contrário do que se imagina, estes dois elementos não estão apenas relacionados à questão calórica. É possível por meio da alimentação estimular o aumento de micro-organismos bons que vão reduzir aquele processo inflamatório constante no intestino de quem é obeso.

Um estudo recente conduzido por pesquisadores da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, analisou a microbiota de 105 pessoas que faziam parte de um programa comercial de emagrecimento.

Ao final, eles buscaram entender o que havia de diferente entre os que haviam perdido peso ou não. Os marcadores sanguíneos relacionados ao metabolismo eram praticamente os mesmos entre os dois grupos.

Já os micro-organismos intestinais deles eram diferentes. Aqueles que perderam pelo menos 1% do peso corporal, em média, a cada mês tinham mais enzimas bacterianas que facilitavam a quebra de carboidratos complexos e açúcares simples, reduzindo seu armazenamento em forma de gordura. 

Os autores também encontraram no grupo que emagreceu um nível mais elevado de um tipo de bactéria do gênero Prevotella, que, segundo o artigo, “podem melhorar as respostas da perda de peso em uma dieta padronizada rica em fibras”.

Há quem pense que seja possível, então, utilizar um suplemento probiótico que contenha Prevotella para auxiliar no emagrecimento. Mas o médico pondera que não é tão simples assim.

“Existem algumas evidências de que as Prevotellas podem ter um efeito benéfico, mas a questão é saber qual Prevotella. Este é um dos problemas relacionados com os estudos de microbiota, a gente identifica gênero e espécie, mas muitas vezes não identifica a cepa da bactéria.”

Barbuti afirma que há diferenças enormes entre os vários tipos de bactérias do mesmo gênero, a exemplo do que acontece com os Lactobacillus, com mais de 100 espécies e diferentes usos.

“Não existe nenhuma fórmula mágica que transforme a sua microbiota disbiótica em eubiótica do dia para a noite e que isso se mantenha para o resto da vida”, enfatiza o médico.

Partindo deste pressuposto, é necessário compreender que toda mudança passa pelo binômio dieta equilibrada e exercício físico.

Dietas radicais, a exemplo das que cortam absurdamente a quantidade de carboidratos, não são são saudáveis a longo prazo, pontua o especialista. Elas também facilitam o ganho de peso em eventuais “deslizes”. O ideal é procurar o equilíbrio entre carboidratos, proteínas e lipídios.

A cirurgia bariátrica, quando indicada, é capaz de modificar a microbiota.

“Quando você tem um obeso que tem indicação para cirurgia bariátrica, após a cirurgia, a microbiota do intestino muda e começa a ficar muito parecida com a microbiota do magro. A grande dúvida é se é que a perda de peso que muda a microbiota ou se é a microbiota que facilita a perda de peso.”

Outra forma, mas ainda em caráter experimental, é o transplante de fezes. Em resumo, a técnica consiste em colonizar o intestino do receptor com bactérias de outra pessoa por meio da inserção de fezes por colonoscopia ou endoscopia.

Atualmente, o transplante fecal é indicado para o tratamento de algumas doenças, como colite pseudomembranosa. Mas um caso ocorrido nos Estados Unidos serve de alerta para as incertezas acerca do procedimento.

Em 2015, uma mulher de 32 anos foi submetida a essa técnica para tratar uma infecção que não era curada nem mesmo com poderosos antibióticos.

A filha dela, com sobrepeso e prestes a se tornar obesa, foi a doadora das fezes. A paciente melhorou da infecção, mas ganhou 16 kg em poucos meses.

Estudos com ratos em laboratório já mostraram que o transplante fecal pode servir tanto para aumentar quanto para diminuir o peso. 

Mas ainda é uma incógnita se o método poderá se tornar uma opção para o tratamento da obesidade no futuro. 

“Tem problemas sérios ainda relacionados com a segurança do transplante de fezes. Não pense que você transplanta as fezes do magro para o gordo, o gordo emagrece e está resolvido o problema. Quando você transplanta fezes não sabe bem o que está transplantando. Além de transplantar ‘magreza’, você pode transplantar depressão, ansiedade, esquizofrenia, predisposição para câncer, resistência bacteriana, um monte de coisa que um indivíduo não tem e pode vir a ter”, sublinha Barbuti.

Fonte: R7