Obviamente ninguém está pensando em bombardear o adversário, mas a lógica do deslocamento é a da intimidação e a de demonstrar poder
Os Estados Unidos enviaram três bombardeiros com capacidade nuclear B-2 para a base de Diego Garcia, uma ilha no oceano Índico que permite ações em todo o flanco sul da China.
É a primeira vez que isso acontece desde 2016, e o recado é direcionado a Pequim, com quem Washington vive um período de alta tensão diplomática, comercial e militar, dentro da chamada Guerra Fria 2.0 entre os países.
Obviamente ninguém está pensando em bombardear o adversário, mas a lógica do deslocamento é a da intimidação e a de demonstrar poder, num momento em que chineses e americanos intensificam seus jogos de guerra no disputado mar do Sul da China.
Além disso, a posição de Diego Garcia, a 1.800 km ao sul da costa indiana, sinaliza apoio a Nova Déli, que há dois meses entrou em choque militar com Pequim em uma remota região dos Himalaias, perdendo 20 soldados.
Central no gesto americano é a escolha da arma apresentada. O deslocamento dos aviões é um gesto público, calculado. E o B-2 é um aparelho único em suas capacidades.
Ele é a aeronave mais cara já produzido, custando US$ 2 bilhões (R$ 10,8 bilhões) cada. É apelidado de avião invisível, por adotar tecnologias que o tornam furtivo à detecção por radares. Os EUA operam 20 deles.
Podem lançar bombas e mísseis convencionais ou nucleares em ambientes altamente protegidos, como seria o caso de instalações chinesas.
Os três aparelhos decolaram de sua base no Missouri (EUA) na terça e, 29 horas depois, chegaram a Diego Garcia sobrevoando o Pacífico apoiados por diversos voos de aviões-tanque.
Lá já estão postados seis bombardeiros estratégicos B-52, também com capacidade nuclear, mas esses são aviões dos anos 1950, feitos para lançar mísseis a longa distância.
Além do simbolismo, ainda mais na semana em que a China ameaça a ilha de Taiwan, aliada dos EUA, com exercícios militares, a ida dos B-2 é um exemplo da nova tática da Força Aérea americana.
No começo do ano, o país desativou sua força permanente de bombardeiros em Guam, a principal base no Pacífico. Agora, grupos menores de aviões são rotacionados por bases, aumentando a imprevisibilidade estratégica.
Diego Garcia é bastante distante de alvos em terra: aviões que saíam de lá contra o Afeganistão demoravam dez horas para começar a atacar. Isso também é, por outro lado, uma vantagem.
Quando os seis B-52 foram enviados para lá em janeiro, o objetivo era tê-los à mão para uma ação contra o Irã, contra quem os EUA quase foram à guerra este ano.
Se ficassem no ponto usual de ações no Oriente Médio, a base de Uded (Qatar), estariam à mercê de ataques com mísseis balísticos de Teerã que não chegam a Diego Garcia.
Desde que Donald Trump assumiu, em 2017, a retórica ante os chineses passou a ser mais agressiva. Ambos os países se preparam para retomar negociações para congelar a guerra tarifária disparada pelos americanos, que veem injustiça na relação bilateral com Pequim.
Mas as hostilidades se ampliaram, em especial neste ano, em que Trump precisa agradar sua base de apoio numa corrida eleitoral que hoje estaria perdida para o democrata Joe Biden. Mas o pleito é só em novembro.
Assim, agora há uma política aberta de qualificar a China como um adversário do dito mundo livre, e os embates vão da defesa da autonomia amputada por Pequim em Hong Kong ao manejo da pandemia do novo coronavírus, passando por fechamentos de consulados.
O aspecto militar se delineou mais claramente com o aumento de atividade americana no mar do Sul da China, que Pequim diz ser 85% seu. Desde 2014, os chineses militarizaram áreas na região. Em 2016, Pequim perdeu uma disputa na ONU com as Filipinas sobre um trecho territorial, mas não aceitaram o resultado.
Não por coincidência, esse julgamento ocorreu no mesmo momento da última visita dos B-2 a Diego Garcia.
Incursões aéreas e exercícios navais se multiplicam de lado a lado, aumentando a possibilidade de um choque acidental. Na segunda (17), os EUA começam uma grande manobra militar no Pacífico, e até o fim do ano deve ocorrer o Malabar, encontro das marinhas da Índia, EUA e Austrália -todos adversários de Pequim.
Fonte: FolhaPress