Camada de muco formada pela proliferação de fitoplânctons mata peixes por asfixia e prejudica a fotossíntese de algas
Uma extensa camada de muco apareceu no Mar de Mármara, na costa da Turquia, e assustou moradores e autoridades turcas na última semana. A gosma se espalhou por boa parte da costa, cercando os barcos pesqueiros e se espalhando pelo mar, que antes era azul e tido como uma atração turística local.
Com a proximidade do verão no hemisfério norte e a possibilidade de visitantes entrarem no país novamente, a região pode deixar de atrair o interesse de viajantes por conta do ocorrido.
Essa é a primeira vez que a região viu uma produção tão grande da substância, mas não foi a única. A última ocorrência semelhante foi em 2007 e atingiu também o mar Egeu, na Grécia.
Segundo especialistas, o fenômeno é decorrente da proliferação exacerbada do fitoplâncton (popularmente chamado de microalga) formando as chamadas florações. Essas florações podem ser inofensivas, causando apenas mudança no aspecto da água, mas também podem causar danos a outros organismos aquáticos e até ao homem.
“Essa mucilagem ocorre pela liberação de substâncias pelas microalgas (organismos marinhos unicelulares). Esse fenômeno pode ser intensificado quando as condições ambientais mudam e tem maior poluição, especialmente derivada das cidades, e pelo aumento da temperatura, promovida pelas mudanças climáticas”, esclarece o professor do Instituto Oceanográfico, do curso de Oceanografia da USP (IOUSP), Alexander Turra.
Com parte do esgoto das cidades sendo despejado diretamente no mar, esses microrganismos encontram matéria orgânica suficiente para crescer, comer e se reproduzir. Segundo o pesquisador da USP, Dan Valentin Palcu, até 40% do esgoto da região de Istambul não é tratado.
Na Turquia, a região do Mar de Mármara tem como agravante a baixa circulação falta de movimento das águas. As ondas e as correntes marinhas podem ajudar a dispersar a substância gelatinosa e evitar que ocorra um acúmulo em uma única região.
Riscos para a vida marinha
Os animais marinhos são diretamente afetados pela gosma na superfície da água, além de entupir as guelras e brânquias dos peixes, impedindo a troca gasosa e matando por asfixia, atinge também outros seres vivos que vivem na água e no solo marinho.
“Corais e outros organismos que não têm mobilidade acabam sendo recobertos por esse muco e podem morrer por asfixia, além de não conseguirem se alimentar”, explica o professor do IOUSP de Oceanografia, Rubens Lopes.
O fenômeno também impede a entrada de luz do sol e dificulta a fotossíntese das algas, diminuindo ainda mais a concentração de oxigênio e nutrientes na água, e deixando todo o sistema marinho em estresse, diz a bióloga do IOUSP especialista em fitoplâncton microrganismos, Flávia Saldanha-Corrêa.
Apesar da morte dos peixes e o desequilíbrio no habitat, a indústria pesqueira turca não deve ser impactada, pelo menos por enquanto, diz Valentin Palcu. A temporada de pescas na região já acabou, mas os próximos anos podem ser severamente afetados, já que o muco pode causar a “desintegração das populações desse ecossistema”, explica o pesquisador.
Consequências e soluções
Outros riscos envolvem o surgimento de zonas mortas, que são áreas sem animais por conta da baixa concentração de oxigênio, e a proliferação de algas tóxicas. Até agora, não há indícios de que as microalgas que se reproduziram de maneira acelerada no Mar de Mármara sejam maléficas para os humanos.
Porém, há microalgas potencialmente tóxicas, que produzem substâncias que causam diarreia, paralisia, amnésia, alergias e outros efeitos nas pessoas que têm contato direto com a água ou comem algum peixe e fruto do mar contaminado.
Segundo Valentin Palcu, essa mucilagem e o desequilíbrio na região podem causar uma explosão no crescimento de algas pardas, que podem causar alergias e irritação na pele de quem tiver contato direto com ela, além de deixar um cheiro forte de enxofre.
As zonas mortas nos oceanos estão relacionadas a poluição e desiquilíbrio ambiental (e a explosão dessas microalgas é um dos indícios disso). Quando o microrganismos que formam o muco morrem, eles são consumidos por bactérias, que usam o oxigênio da água no processo. “Com isso, essas regiões ficam sem oxigênio e isso leva uma série de organismos à morte”, diz Alexander Turra.
Eliminar a gosma do mar é muito mais difícil do que parece. As camadas superiores podem ser retiradas com baldes e redes, mas a mesma estratégia não pode ser usada no fundo do mar, pelo risco de puxar os organismos e corais que vivem ali.
A mucilagem pode ser decomposta naturalmente, com bactérias comendo a matéria orgânica, mas esse é um processo lento que pode demorar meses até ser completado.
Saneamento básico para prevenir
Para os especialistas, a melhor maneira de evitar que algo dessas proporções volte a acontecer é investir em saneamento básico para evitar o descarte de poluição diretamente no mar. Além do esgoto, agrotóxicos e fertilizantes vindos da agricultura também podem possibilitar que esses microrganismos se proliferem e gerem a gosma na água do mar.
“Não dá para jogar o esgoto no oceano e achar que ele vai dar conta de resolver o problema sozinho”, analisa Flávia Saldanha-Corrêa. “É necessário um gerenciamento das áreas costeiras, com base em estudos multidisciplinares para adequar o uso das áreas, de forma a minimizar os impactos ambientais, para evitar esses pontos de alta poluição. Tem que se investir em estudo, infraestrutura e na conscientização da população para a preservação dos oceanos.”
Fenômeno recobriu parte do Mar de Mármara
Muco no Brasil
No Brasil há vários registros de floração de algas. O processo é natural e acontece quando as condições são propícias, mas nunca foi registrado um muco das proporções da Turquia.
“Essa é uma preocupação grande e pode trazer impacto no abastecimento de água”, ressalta o professor Rubens Lopes.
No Rio de Janeiro, a proliferação de algas é recorrente na Lagoa Rodrigo de Freitas, e resulta “na morte de peixes, gerando impacto visual e produção de toxinas”, diz o professor. Em Santa Catarina, essas algas afetam a aquicultura e podem trazer impactos na saúde pública.
Em fazendas marinhas de mexilhões e ostras, o monitoramento desses microrganismos é rigoroso, diz a bióloga Flávia Saldanha-Corrêa, e a colheita pode ser suspensa se for detectada a presença de microalgas potencialmente tóxicas.
Em 2018, na praia de Santos, no litoral de São Paulo, microalgas bioluminescentes apareceram, gerando um belo espetáculo de luz azulada nas ondas durante a noite. Esse fenômeno é decorrente da floração de alguns dinoflagelados, em geral inofensivos, afirma a bióloga.
Contudo, logo em seguida, uma outra espécie de dinoflagelados que produzem toxinas apareceu e alguns moradores da região que consumiram peixes e frutos do mar contaminados relataram diarreia.
Fonte: R7