No cenário pós-pandemia, a proposta de reforma tributária deve ganhar espaço para abrigar mudanças que permitam bancar o financiamento do novo programa

O aumento da pobreza no País com a covid-19 e a necessidade de garantir uma porta de saída para quem recebe o auxílio emergencial de R$ 600 durante a pandemia colocaram a pauta social no centro da agenda político-econômica do País. Com uma pauta focada até agora no ajuste das contas públicas, privatizações e reforma do Estado, a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, faz movimentos para não chegar atrasada na discussão que avança no Congresso para a criação de um programa de renda mínima.

No cenário pós-pandemia, a proposta de reforma tributária deve ganhar espaço para abrigar mudanças que permitam bancar o financiamento do novo programa. A expectativa é que os textos já em discussão no Congresso sofram modificações.

Especialistas e parlamentares avaliam que a concessão de uma renda mínima para a população mais pobre pode ser viável, mas terá de passar necessariamente pela reforma tributária e pelo debate da revisão das regras fiscais, inclusive do teto de gastos (regra que impede o crescimento das despesas acima da inflação).

A ideia em discussão no Congresso é ampliar a proteção dada hoje pelo Bolsa Família de 20% para 50% da população, elevando o gasto com o programa de 0,4% para 1% a 1,5% do PIB – desafio ainda maior dado o cenário de crise econômica.

O problema, segundo especialistas, é como passar do auxílio de R$ 600 para um modelo de renda mínima. Uma das ideias é implementar um programa na esteira do auxílio, com um período de transição e redução do valor pago a um montante considerado sustentável pelos cofres públicos – hoje, o benefício médio do Bolsa Família é de R$ 200 mensais.

Para fazer essa transição, o governo tenta emplacar a proposta de remanejamento dos chamados gastos tributários para abrir espaço no teto, com a extinção de programas como abono salarial e seguro-defeso (pago a pescadores artesanais), considerados ineficientes pelo governo.

Enquanto isso, a Câmara se mobiliza para criar uma frente parlamentar em defesa da renda básica. À frente da iniciativa, o deputado João Campos (PSB-PE) estuda uma proposta legislativa para a criação do programa. “Conversei com lideranças, inclusive do Centrão, e acredito que será algo muito próximo de ser executado”, afirmou. “A crise escancarou a necessidade de distribuição de renda no Brasil.”

‘Zona de conforto’

Especialista na área tributária, o economista Rodrigo Orair, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), adverte que a concessão do benefício de renda mínima é incompatível com as regras atuais. “O benefício não cabe no teto”, diz ele. Por isso, de acordo Orair, essas despesas devem ficar de fora da regra constitucional, como já acontece, em menor escala, nos gastos militares e de meio ambiente.

Para o economista Daniel Duque, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), a pandemia empurrou a discussão da reforma da assistência social no Brasil, “Estamos basicamente há 15 anos numa zona de conforto que o Bolsa Família criou e que foi uma grande inovação, mas que não sofre nenhuma alteração desde 2013.”

Ele defende a unificação dos programas sociais e avalia que o custo adicional para a concessão de uma renda mínima é de R$ 265 bilhões, cujo financiamento exigiria mudanças tributárias.

Já o presidente da Rede Brasileira de Renda Básica , Leandro Ferreira, diz que é preciso racionalizar os benefícios sociais com a sua unificação. Ele defende mudanças tributárias e a revisão do abono salarial, mas alerta que a mudança não pode deixar em situação pior os seus beneficiários. A

Fonte:l O Estado de S.Paulo.