Caso começou na quarta-feira (25) e parentes foram avisados na sexta-feira (27), quando sepultamento de uma das vítimas já havia ocorrido; Polícia Científica reconhece que houve falha

Imagine ter que passar pela dor de enterrar o “mesmo” ente querido duas vezes. Ou, ainda, descobrir que seu parente foi sepultado por outras pessoas, com outro nome. Duas famílias denunciam terem vivenciado essa situação, nos últimos dias, após uma troca de corpos que aconteceu no Instituto Médico Legal (IML) de Vitória. O caso foi confirmado pela Polícia Científica do Estado do Espírito Santo (PCIES). 

Tudo começou na última quarta-feira (25). O corpo de Matheus Soares Maria Quintiliano, de 23 anos, foi encontrado em um valão em frente à casa dele, no bairro Oriente, em Cariacica, e levado para o IML já em avançado estado de decomposição. Gelson Pereira da Rosa, de 56 anos, outro morador de Cariacica, também foi localizado morto dentro de casa e encaminhado para a unidade da Polícia Científica. 

Segundo a advogada Nínive Santos, o IML informou à família de Gelson que, por causa do avançado estado de decomposição, o reconhecimento do corpo seria feito através de exames de digital. Após a identificação, houve a liberação e a família realizou o enterro — nesses casos, são os popularmente chamados enterros de “caixão fechado” — na quinta-feira (26), em Cariacica. “Foi feito no cemitério com uma comoção familiar. Ele era muito conhecido na cidade, respeitado”, detalhou a especialista em Direito Aplicado. 

Enquanto isso, no IML, a família de Matheus aguardava, desde quarta-feira (25), a liberação do corpo do jovem. A irmã dele, Karina Maria Quintiliano, fez o reconhecimento na própria quarta, em pleno Natal, por duas vezes — pois, segundo ela, houve um erro na documentação da liberação —, mas foi informada de que precisaria aguardar até o dia seguinte. 

Os dias foram passando…

“Voltei na quinta (26) com todas as documentações para liberar o corpo. Aí, me passaram a informação de que iam coletar as digitais dele, por causa do estado de decomposição. Eles disseram que, assim que conseguissem coletar as digitais, iriam entrar em contato com a família. Na sexta-feira (27), voltei e perguntei o porquê da demora. Foi quando falaram que estavam esperando o espelho da identidade dele vir da Bahia para comparar as digitais”, detalhou Karina, em entrevista ao repórter Cristian Miranda, da TV Gazeta.

Foi nesse momento que ela percebeu que havia algo errado, já que o irmão dela não era baiano, e toda a documentação dele era do Espírito Santo

Troca de corpos

Ainda na sexta-feira (27), segundo a advogada Nínive, a família de Gelson foi comunicada pelo IML de que o corpo que eles haviam enterrado não era o dele, e sim o de Matheus. O corpo de Gelson, na verdade, ainda estava no instituto. “A família recebeu um comunicado do responsável do IML de que o corpo havia sido trocado por um erro e até falou-se em falha humana. Não foi um erro qualquer, foi um erro que abalou toda a família. Tanto a família do senhor Gelson como a outra família”, destaca a advogada. 

A irmã de Matheus também disse ter conversado com a coordenação do IML: “Eles falaram que tinham dois corpos no mesmo estado: o do Matheus e o de um outro senhor. O do Matheus estava no corredor e o do senhor, dentro da ‘geladeira’. Quem estava de plantão liberou o que estava no corredor, que era meu irmão, para a família errada”, conta Karina. 

Corpo exumado e novo enterro

O corpo que havia sido enterrado como o de Gelson, mas que na verdade era de Matheus, teve que ser desenterrado e voltou para o IML. Só aí o verdadeiro corpo de Gelson foi liberado corretamente para a família, que teve de fazer um segundo enterro, neste domingo (29). 

Aspas de citação

Imagina uma família ter dois momentos e ter que ser feita exumação de um cidadão de honra, de bem, e seus familiares terem que passar por isso?

Nínive Santos

•Advogada da família de Gelson

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Família ainda aguarda

A família de Matheus teve que, neste domingo (29), mais uma vez reconhecer o corpo do jovem, que agora está em estado de decomposição ainda mais avançado. “Tive que passar por esse constrangimento de novo, porque é uma dor. É difícil para a família. A gente está desde quarta-feira nessa angústia. Estou tentando ser forte porque minha mãe precisa de mim. Ela tem arritmia cardíaca, já foi parar no hospital. A gente pede justiça”, desabafa Karina.

As duas famílias dizem que vão entrar com processos na Justiça sobre o caso. “Já solicitei todos os procedimentos administrativos e provas cabais. Vamos tomar todas as providências cabíveis no rito administrativo, inquérito policial”, detalha Nínive. 

O que diz a PCIES

A Polícia Científica do Estado do Espírito Santo (PCIES) se manifestou por meio de nota, dizendo que “lamenta profundamente o ocorrido, solidariza-se com os familiares e informa que a troca foi constatada pelos próprios servidores do IML. O diretor do instituto entrou em contato com os familiares e iniciou imediatamente os trâmites legais para a exumação de Matheus Soares Maria Quintiliano, que foi enterrado no lugar de Gelson Pereira da Rosa. Informamos que Gelson já foi sepultado corretamente, e Matheus foi liberado para o devido sepultamento”.

A corporação ainda informou que a Corregedoria da Polícia Científica irá apurar o ocorrido, bem como as responsabilidades relativas ao caso. “O procedimento para corpos em decomposição envolve a realização da perícia necropapiloscópica, que consiste na obtenção das impressões digitais e na comparação com as impressões digitais presentes nos documentos do falecido. A PCIES utiliza protocolos rigorosos para a liberação de corpos, entretanto, irá reavaliar seus procedimentos para evitar que situações como essa aconteçam novamente”, completou.

Fonte: A Gazeta