A Justiça determinou nesta quinta-feira (06) o prazo de 24 horas para que a empresa proprietária do outdoor localizado na rodovia que liga a BR 101 à sede do município de Presidente Kennedy, no Sul do Estado, retire o cartaz “ofensivo à honra” de quatro agentes públicos e políticos do Estado, sob pena de multa diária de R$ 3 mil até o limite de R$ 30 mil, sem prejuízo de outras sanções.
A decisão foi prolatada pela juíza Serenuza Marques Chamon, da 1ª Vara da Comarca de Piúma, no litoral Sul capixaba, onde fica a sede da empresa Taylor Outdoor, responsável pela exibição ofensiva contendo texto e fotos do prefeito Dorlei Fontão (PSD), do presidente estadual do PSD, o suplente de deputado federal Neucimar Fraga, do deputado estadual Marcelo Santos (Podemos), vice-presidente da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, e do procurador do município, Rodrigo Lisboa Corrêa.
Na decisão, a magistrada concede liminar por considerar haver, na ação, “os requisitos necessários à concessão da tutela de urgência” e registra que, “no caso dos autos, resta evidente o conflito entre a liberdade de expressão da parte requerida e a honra/imagem do autor (no caso, Rodrigo), interesses protegidos pela Constituição Federal”.
Ao mesmo tempo em que determina a retirada do cartaz ofensivo, o Juízo de Piúma também manda que a empresa Taylor Outdoor aponte, no mesmo prazo de 24 horas, o nome ou nomes das pessoas responsáveis pela contratação do serviço de exibição do cartaz, por considerar que “o direito à liberdade de expressão não autoriza a publicação de matérias destituídas de amparo na verdade e em afronta aos direitos constitucionais tutelados”.
Confira a íntegra da decisão:
DECISÃO/MANDADO/OFÍCIO/CARTA AR
Vistos em inspeção
Distribuição em regime de PLANTÃO EXTRAORDINÁRIO, nos termos do ATO NORMATIVO nº 64/2020, do E. Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, que estabelece as matérias a serem distribuídas e apreciadas neste período de suspensão dos atos processuais e atendimento ao público.
Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER PELO RITO ORDINÁRIO C/C AÇÃO INDENIZATÓRIA c/c com pedido de tutela de urgênciaajuizada por Rodrigo Lisboa Corrêa em face de Taylor Outdoor.
Em síntese, alega que sofreu exposição infundada por meio de outdoor no Município de Presidente Kennedy, o qual foi exposto na entrada da cidade pela rodovia que liga a BR 101 ao município, constando imagem associada ao Prefeito, Sr. Dorlei Fontão da Cruz, dos Deputados Federais Sr. Marcelo Santos e Sr. Neucimar Fraga, com o dizeres: “PAREM DE ROUBAR NOSSO MUNICÍPIO – Atenção Ministério Público e Tribunal de Justiça: Presidente Kennedy pede socorro”.
Alega que o outdoor foi fotografado por moradores do Município de Presidente Kennedy e vem sendo amplamente divulgado nas redes sociais, expondo a imagem do autor.
Afirma que não responde e nunca respondeu qualquer ação penal ou ação de improbidade administrativa capaz de autorizar a mínima suposição de que o autor “devesse ser observado pelo Ministério Público Estadual e pelo Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo”.
Em sede de tutela de urgência pugna que a requerida retire imediatamente o conteúdo constante no referido outdoor, fixado na entrada da cidade de Presidente Kennedy pela Rodovia BR 101 – sede, bem como que sejam indicados os responsáveis pela contratação S serviços e responsáveis pelo pagamento dos mesmos, a fim de que o autor adote as medidas cíveis e criminais cabíveis.
É o relatório. Decido.
Tratando-se de tutela de urgência cumpre a verificação, sob a égide do juízo de cognição sumária que esta fase processual contempla, da presença dos requisitos trazidos pelo caput do art. 300 do Código de Processo Civil:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º Para a concessão da tutela de urgência o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Nesta senda, a tutela de urgência reclama a presença da probabilidade do direito a ser provisoriamente satisfeito, realizado ou acautelado, por meio de uma verossimilhança fática e jurídica e a existência de elementos indicativos do perigo na demora da prestação jurisdicional, consubstanciando plausível dano ou risco ao resultado útil do processo.
A propósito do instituto, anotam Fredie Didier Júnior, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria De Oliveira:
“A probabilidade do direito a ser provisoriamente satisfeito/realizado ou acautelado é a plausibilidade de existência desse mesmo direito. O bem conhecido fumus boni iuris (ou fumaç do bom direito). O magistrado precisa avaliar se há ‘elementos que evidenciem a probabilidade de ter acontecido o que foi narrado e quais as chances de ê do demandante (art.300, CPC). Inicialmente, é necessária a verossimilhança fática com a constatação de que há um considerável grau de plausibilidade em torno da narrativa dos fatos trazida pelo autor. É preciso que se visualize, nessa narrativa, uma verdade provável sobre os fatos, independente da produção de prova. Junto a isso, deve haver uma plausibilidade jurídica com a verificação de que é provável a subsunção dos fatos à norma invocada, conduzindo aos efeitos pretendidos. (… A tutela provisória de urgência pressupõe também a existência de elementos que evidenciem o perigo que a demora no oferecimento da prestação jurisdicional (periculum in mora) representa para a efetividade da jurisdição e a eficaz realização do direito. O perigo da demora é definido pelo legislador como o perigo que a demora processual representa de ‘dano ou risco ao resultado ú do processo (art.300, CPC). Importante é registrar que o que justifica a tutela provisória de urgência é aquele perigo de dano: i) concreto (certo), e, não hipótese ou eventual, decorrente de mero temor subjetivo da parte; ii) atual, que está na iminência de ocorrer ou esteja acontecendo, e, enfim, iii) grave, que seja de grande ou média intensidade e tenha aptidão para prejudicar ou impedir a fruição do direito” (Curso de Direito Processual Civil, volume 02, 10aEdição Editora JusPodivm, 2015, pá.595/597).
Depreende-se da leitura da norma em destaque que para concessão da tutela provisória de urgência é necessária a reunião de três condições, quais sejam: i) a probabilidade do direito, ii) o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo e a iii) reversibilidade do provimento.
No caso dos autos, estão presentes os requisitos necessários à concessão da tutela de urgência.
Inicialmente, cumpre salientar que, no caso dos autos, resta evidente o conflito entre a liberdade de expressão da parte requerida e a honra/imagem do autor, interesses protegidos pela Constituição Federal de 1988. A liberdade de expressão resta insculpida no art. 5º, IV, da Carta Magna, enquanto a proteção à honra e a imagem encontra-se disposta no mesmo artigo, em seu inciso X.
Ainda que não exista uma hierarquia entre direitos fundamentais, cabe ao julgador ponderar, na análise do caso concreto, a aplicação de um em detrimento de outro, bem como a sua proporcionalidade.
Outrossim, o direito à liberdade de expressão não autoriza a publicação de matérias destituídas de amparo na verdade e em afronta aos direitos constitucionalmente tutelados.
Na particular situação dos autos, a colisão entre a liberdade de expressão e pensamento e o direito à proteção da honra e da imagem, entendo que o segundo é condição ao exercício da primeira, de acordo com a própria dicção constitucional.
É o que se extrai, efetivamente, do disposto no artigo 220 da Constituição Federal, segundo o qual “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. Ou seja, o próprio texto constitucional já sinaliza, de forma clara e objetiva, que o regular exercício da precitada liberdade pressupõe observância às demais garantias e direitos igualmente positivados na Carta Política.
Assim, cabe impor, no uso da técnica da ponderação, harmonizar os bens jurídicos em confronto, coordenando a aplicação concreta de cada qual à luz do grau de proteção que cada um recebe da Constituição, assim, evitar a total prevalência de um em detrimento do outro, em prestígio ao princípio hermenêutico da concordância prática.
No caso em questão, em sede de cognição sumária, verifica-se que referido outdoor que liga a BR 101 ao município, constando imagem associada ao Prefeito, Sr. Dorlei Fontão da Cruz, dos Deputados Federais Sr. Marcelo Santos e Sr. Neucimar Fraga e do autor, conta com os seguintes dizeres: “PAREM DE ROUBAR NOSSO MUNICÍPIO – Atenção Ministério Público e Tribunal de Justiça: Presidente Kennedy pede socorro”.
Resta claro, que a imagem do autor constante no outdoor está associada aos dizerem contra possível ato de dano ao erário ocorridos naquele município. Não há dúvidas quanto a isso.
Observe-se que uma imputação dessa natureza, além de não estar acompanhada de qualquer demonstração mínima da sua veracidade, impõe à parte acusada o ônus de produzir prova praticamente impossível na promoção de sua defesa contra o fato ofensivo que lhe é atribuído.
Desta feita, considero que o texto publicitário em apreço, por mais que possua – como causa primeira – a busca por pela proteção ao dinheiro público, ultrapassa as normas constitucionalmente impostas ao direito de liberdade de expressão, indo muito além dos limites da razoabilidade e da proporcionalidade e evidenciando, assim, o exercício abusivo de liberdade pública, assegurada pela Carta Maior.
E, no caso em exame, filio-me, mutatis mutandis, dos dizeres contidos no voto condutor do REsp nº 1.169.337/SP, de lavra do eminente Min. Luís Felipe Salomão, segundo o qual “o manto do direito de manifestação não tolera abuso no uso de expressões que ofendam a dignidade do ser humano; o exercício do direito de forma anormal ou irregular deve sofrer reprimenda do ordenamento jurídico” (REsp 1.169.337/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 18/12/2014).
No mesmo sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. RETIRADA DE CARTAZ AFIXADO EM OUTDOOR POR SINDICATO. VIABILIDADE. USO DE EXPRESSÃO QUE ULTRAPASSA O MERO CAMPO DA DISCUSSÃO SALARIAL E DESBORDA DOS LIMITES DO ACEITÁVEL. RISCO DE DANO GRAVE E IRREPARÁVEL À HONRA E À IMAGEM DA PESSOA JURÍDICA QUE, NO CASO, JUSTIFICA A CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPATÓRIA. 1. Como cediço, não existem direitos ou garantias fundamentais que se revistam de caráter absoluto no ordenamento brasileiro. O princípio da unidade da Constituição impõe a coexistência harmônica das liberdades e dos direitos assegurados na Lei Fundamental, não se legitimando, no sistema jurídico vigente, o exercício de direito ou garantia com ofensa a bens jurídicos outros de mesma dignidade constitucional. 2. Caso concreto que evidencia conflito entre a liberdade de expressão e pensamento e o direito de proteção à honra e à imagem, em razão da veiculação de reclamo sindical que emprega expressão desarrazoada e dotada de potencialidade lesiva para a imagem e o bom nome da empresa empregadora. 3. Particularidade da situação em análise que revela o exercício abusivo e irresponsável de liberdade pública que vem tanto assegurada como restringida pela Constituição Federal. Isso porque o cartaz sindical, de fato, imbui-se de carga notoriamente ofensiva à honra da pessoa jurídica, uma vez que encerra imputação – em veículo de ampla visibilidade pública – de prática de conduta social, moral e… juridicamente repudiada (assédio moral). Expressão que, da forma como utilizada, coloca em xeque, sem a possibilidade de um contraditório, a imagem da pessoa jurídica, impondo-lhe prejuízo irreparável e de difícil quantificação. 4. Por outro lado, cuida-se de acusação que, além de não estar acompanhada de lastro probatório mínimo da sua veracidade, impõe à pessoa jurídica o ônus de produzir prova praticamente impossível na promoção de sua defesa. Logo, pela gravidade do seu conteúdo informativo, o texto levado a conhecimento público extrapola as balizas constitucionalmente impostas ao direito de liberdade de expressão, indo muito além dos limites da razoabilidade e da proporcionalidade. 5. Antecipação da tutela jurisdicional que, diante disso, é medida que se impõe, visto que atendidos os pressupostos autorizadores de sua concessão. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70065256729, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Richinitti, Julgado em 26/08/2015).
Portanto, presente a probabilidade do direito, consubstanciada pelas imagens colacionadas aos autos que demonstram a existência do referido outdoor.
No que tange ao perigo de dano ou risco útil do processo, também se encontra evidenciado, haja vista estar intimamente ligado ao direito à honra e imagem do autor, bem como em razão da fácil e rápida propagação de notícias por meio das mídias sociais.
Ademais, não há o perigo de irreversibilidade da medida, uma vez que provisória e revogável a qualquer tempo e, ainda, passível de indenização por suas consequências.
Assim, presentes os requisitos do Artigo 300 do Código de Processo Civil,DEFIRO a TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA para DETERMINAR que requerida TAYLOR OUTDOOR RETIRE imediatamente, não ultrapassando o prazo de 24 (vinte e quatro) horas,o outdoor na entrada da cidade de Presidente Kennedy pela Rodovia BR 101 – sede, constando imagem associada ao ao autor, com o dizeres: “PAREM DE ROUBAR NOSSO MUNICÍPIO – Atenção Ministério Público e Tribunal de Justiça: Presidente Kennedy pede socorro”, bem como INDIQUE os responsáveis pela contratação dos serviços e responsáveis pelo pagamento dos mesmos, sob pena de cominação de multa diária em caso de descumprimento, que desde já arbitro em R$ 3.000,00 (três mil reais) com incidência máxima de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
INTIME-SE o autor, por seu advogado, para ciência desta decisão, assim como para acompanhar o cumprimento da mesma.
INTIME-SE o requerido, por seu representante legal ou que as vezes o fizer, para CUMPRIMENTO DA TUTELA DE URGÊNCIA.
CITE-SE o requerido, para caso queira, apresentar contestação, no prazo legal, podendo alegar toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir.
Escoado o prazo da contestação, CERTIFIQUE-SE acerca de sua apresentação, bem como de sua tempestividade.
Em sendo tempestiva, CERTIFIQUE-SE, também, se foram arguidas as matérias enumeradas no art. 337 do Código de Processo Civil.
Havendo alegação das matérias previstas no art. 337 do Código de Processo Civil, INTIME-SE o autor para manifestação no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do art. 351 do Código de Processo Civil.
Findo o prazo da réplica, CERTIFIQUE-SE quanto a manifestação do autor, no prazo legal.
Após, com ou sem manifestação do autor,VENHAM-ME os autos conclusos.
Diligencie-se com as formalidades legais.
Atribuo a presente Decisão força de Mandado Judicial, ofício, Carta Ar, podendo ser utilizada para as comunicações, intimações e demais diligências acima elencadas.
Piúma-ES, 05 de agosto de 2020.
SERENUZA MARQUES CHAMON
Juíza de Direito
Fonte: Com informações do Site Vitoria e Kennedy em Dia.