Em suas respostas, desembargador citou a Bíblia, disse rezar todos os dias, afirmou ter arma em casa e garantiu que jamais defendeu o aborto

O desembargador Kassio Nunes Marques foi aprovado pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado com 22 votos favoráveis e 5 contrários nesta quarta-feira (21) para ocupar uma vaga de juiz no STF (Supremo Tribunal Federal). A indicação deverá ser votada pelo plenário do Senado ainda nesta quarta.

Pouco pressionado durante a sabatina que durou mais de nove horas, Marques disse ter o perfil garantista, ser defensor do pleno direito de defesa a todos os cidadãos, afirmou ter arma em casa e disse rezar todos os dias.

Ele justificou respostas vagas em alguns casos por não poder se posicionar firmemente sobre temas que estão em julgamento nos tribunais para não ferir a Lei da Magistratura.

Na história das sabatinas, longos interrogatórios e bajulações

Quando foi questionado sobre a Lava Jato, saiu pela tangente dizendo que “não há um brasileiro que não reconheça os méritos de qualquer operação no Brasil. Elas são legitimadas porque têm o aval do Poder Judiciário”. Na sequência disse que eventuais erros nos procedimentos, caso ocorressem, poderiam ser objeto de análise de instâncias superiores. “Sou detentor de uma condição que não me permite ser cirúgico em respostas quando a matéria está em tramitação.”

O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) cobrou um posicionamento mais firme do aspirante ao STF em relação à Lava Jato e até por isso antecipou seu voto contrário à indicação de Kassio Nunes Marques.

O desembargador, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para a vaga deixada por Celso de Mello, descartou qualquer tipo de aceitação da corrupção por ter se declarado garantista. “Garantismo não é sinônimio de flexiblização de normas no combate à corrupção. É tão somente dar ao cidadão brasileiro a garantia de que ele percorrerá o devido processo legal para que tenha um julgamento justo.”

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‘Um verdadeiro chamado’

Ao abrir a sabatina, Marques se emocionou ao contar um pouco de sua história pessoal, em uma casa humilde em Teresina (PI), teve uma barraquinha de cachorro quente, foi dono de lotérica e o primeiro advogado da família. Também citou a Bíblia, agradeceu a Deus, disse que reza todos os dias e falou que se sente convocado para uma grande missão.

“Pela manhã, quando acordei lembrei-me do momento que mais tarde me aguardava. A sessão de sabatina no Senado federal. Por alguma razão, associei minha participação em todo esse contexto a um verdadeiro chamado.”

O desembargador afirmou que irá prestigiar a representação popular e se diz um defensor das decisões em plenário. “Por ter nascido em colegiado, decidia com 30 conselheiros e por não ter tido experiência num juízo singular, sempre prestigiei e primei pelo colegiado.”

Ele também atacou problemas nacionais como as diferenças entre pobre e riscos no país. “O Brasil é generoso na oferta de privilégios. O resultado é a catástrofe social e econômica da desigualdade.”

Kassio Nunes também titubeou ao falar sobre as prisões em segunda instância. 

“Em relação à prisão de segunda instância, como sabemos houve diferentes posições do Supremo ao longo do tempo. Ultimamente, o STF mudou radicalmente de posição. Primeiro podia prender após condenação de segunda instância, depois proibiu-se a prisão. O indicado sustenta que com uma emenda constitucional esta situação se pacificaria. É discutível se uma emenda pacificaria esta matéria no STF, que sempre poderá interpretar a Constituição dessa ou daquela maneira.”

Em seguida, acrescentou que sua posição é a de “aplicar as normas edificadas por esta Casa”. Também afirmou que cabe agora ao Congresso legislar sobre o tema.

Em uma questão recente que causou polêmica no Supremo, colocou-se sem citar diretamente o caso contra a soltura do traficante André do Rap, feita pelo ministro Marco Aurélio Mello.

Marques afirmou que antes de tomar qualquer decisão leva em conta o impacto que ela terá na sociedade. “Uso a teoria consequencialista. Eu busco vislumbrar os efeitos que isso [a decisão] pode causar.”  

Sobre a indicação por parte do presidente Jair Bolsonaro, Nunes afirmou assegurar que “absolutamente ninguém interferiu na decisão do presidente da República”.

Plágio

Sobre as acusações de plágio em uma de sua dissertação de mestrado, ele questionou os critérios usados pela imprensa brasileiro ao fazer a acusação.

“Minha dissertação não é um artigo nem um livro. Quando se está fazendo uma dissertação, encaminha-se para a universidade. A Universidade Autônoma de Lisboa tinha um sistema antiplágio. Ela foi submetida a esse sistema. Não sei os critérios dos veículos de comunicação para definir plágio. O fato de se mencionar um autor que foi mencionado por outro não é plágio.”    

Ele opinou que talvez haja uma incompreensão dos jornalistas sobre as “regras educacionais europeias”.

Sobre aborto, armas e homossexuais

Temas polêmicos tradicionais nas sabatinas do Senado também foram colocados ao candidato a um lugar no Supremo.

Ele negou, por exemplo, ter defendido em qualquer momento de sua carreira ou de seus trabalhos acadêmicos o aborto. 

“A palavra ‘aborto’ aparece duas vezes na minha dissertação, que não trata sobre aborto. Cito como exemplo de doutrinas, sobre autores ativistas. Em nenhum momento estou opinando sobre isso”, explicou.

Em relação ao armamento da população, em resposta a pergunta de Major Olimpio (PSL-SP), ele disse ter arma, mas não andar armado. 

“Eu tenho arma em casa, mas não ando armado. O meu perfil pessoal é daquele que a arma serve a depender de cada circusntância, onde o cidadão mora, o nível de violência da cidade, para a proteção de sua residência. Não é uma posição jurídica, é uma posição pessoal.”

Marques, a pedido do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), também comentou ser favorável à manutenção de todos os direitos já conquistados pelos homossexuais: casamento homeafetivo, direito a doação de sangue, criação do crime de homofobia.

“Nós temos uma cultura jurídica de que essa conformação jurisprudencial segue até determinado limite. Minha opinião como operador do Direito é de que esse limite foi atingido. Compete ao Congresso Nacional a transformação dessa jurisprudência em norma.” 

Questionado sobre fake news, o desembargador afirmou que a Lei de Magistratura o impede de comentar inquérito em andamento no Supremo e sobre o qual não poderia julgar no futuro caso se posicionasse agora.

Fonte: R7